Viola Paulista

 

 

A Viola é por excelência um instrumento musical do meio rural, muito disseminada

em nosso país, sendo encontrada nos mais remotos rincôes do território

brasileiro.

Sua origem é remota. No baixo latim encontramos vidula, vitula, viella ou fiola,

mas nenhum destes vocábulos serviu para designar a nossa viola, tratava-se de

um violino pequeno, um tetracórdio. Era a viola-de-arco, uma espécie de rabeca.

A nossa Viola é também bastante idosa, veio de Portugal e ao se aclimatar em

terras brasileiras sofreu alguma modificação, não só na sua anatomia bem como

no número de cordas. É a lei da evolução. Tanto tem evoluído que no Brasil são

feitos, pelo menos cinco tipos distintos de violas de corda de aço:

a paulista, a cuiabana, a angrense, a goiana e a nordestina.

Dos tipos mencionados estudaremos apenas a paulista e a angrense pelo fato

de serem as mais conhecidas e encontradas com maior frequência no Estado

de São Paulo.

A Viola é o instrumento fundamental do "modinheiro", é cordofônio, pois

suas cordas comunicam vibração ao ar. Serve para acompanhamento de canto e

dança. Pode ser tocada só, executando solos, em duplas o que é muito

comum ou para acompanhamento.

Ao lado da viola, porém com menor frequência encontramos a rabeca, também

oriunda de Portugal. Parece que a rabeca foi no passado a companheira

inseparável da Viola, sendo atualmente olvidada quase que só no litoral.

A rabeca não dispensa a companhia da Viola, pois não costumam fazer solos

de rabeca.

A urbanização da Viola, isto é, a sua entrada nos palcos e hoje nos auditórios

das estações de rádio e televisão, devemo-la ao saudoso folclorista

paulista Cornélio Pires, que em 1910, organizou um programa de Viola no palco

da cidade de Tietê e pouco mais tarde, num festival no Mackenzie College,

na capital paulista.

O violão, que na urbanização da Viola está ao seu lado, goza atualmente na

cidade tão larga difusão que podemos dizer - é o instrumento do meio urbano.

O violão já foi largamente desacreditado. Tocador de violão era sinônimo

de capadócio, de vagabundo. Graças ao seresteiro Catulo da Paixão Cearense,

o violão hoje anda nas mãos da "gente bem". Mas, voltemos a nossa Viola.

Quando os portugueses aqui chegaram, ao lado do desejo de trabalhar na rude

lide de povoar e colonizar as terras cabralinas, trouxeram também algo que

encheria os momentos de lazer. As danças e os cantos camponeses, a Viola, a

rabeca, o adufe, o triângulo, a tarola, o culto a São Gonçalo, as Folias de Reis,

do Divino Espírito Santo e os vodos de comer e beber na igreja, já condicilados

e condenados nas Ordenações Filipinas. Na terra além-oceano eles iriam viver e

as danças, cantos, cerimônias religiosas contribuíram para anular a nostalgia.

A Viola de Arame, de Braga ( Portugal ) ou Viola Braguesa, ao chegar ao Brasil

parece não ter evoluído como aconteceu com sua irmã rabeca, que tomando ares

civilizados, com roupagem mais sólida, tornou-se o aristocrático violino,

que subiu para os coros das igrejas católicas, deixando cá fora, nas

soleiras das portas das choupanas, aquela que é mais rica em número de cordas,

porém pobre nos atavios - feitas até de tábua de caixão.

Não possuímos elementos para comparar a antiga Viola Braguesa com a atual

Viola Caipira. Neste trabalho não temos em mira apresentar os resultados

de uma pesquisa histórica dêsse instrumento. Pesquisa sugerida por

Mário de Andrade em 1943, mas deixada em andamento por falta de

documentação. Apenas queremos afirmar que se fôra instrumento popular entre

os campônios portugueses, qual a guitarra, aqui é também popular entre nossos

caipiras e caiçaras.

 

A Viola veio da cultura ibérica, onde parece ter aprendido por influência

dos mouros. Gustavo Pinheiro Machado ( progenitor da aviadora Anésia Pinheiro

Machado ) era um virtuose da Viola, afirmava em uma moda de sua autoria

que a "Viola tinha pais portugueses, o violão tinha pais espanhóis, ambos

eram netos de mouros e bisnetos de hebreus."

Não há dúvida que tenha sido introduzida pelos portugueses. Gabriel Soares

de Souza, a ela se refere. Joaquim Ribeiro no seu precioso "Folclore dos

Bandeirantes" fala sobre a moda... e não há moda sem Viola. Nos mais antigos

documentos que temos manuseado, nos inventários no Arquivo do Estado, sobre a

Viola há apenas referência determinativa e jamais qualitativa. O mesmo se

dá com a "rebeca com seo arco de crina do dito instromento de fulia". Cremos,

entretanto, que a vida nômade dos sertanistas e bandeirantes não impedia o uso

da Viola. Trazemos para estas páginas o testemunho insuspeito de nosso avô materno,

Virgílio Maynard, tropeiro, que dos 12 aos 60 anos de idade, isto é, desde

1870 palmilhou as ínvias estradas do Rio Grande do Sul a São Paulo. Contava que

nunca viu seus peões e camaradas viajarem sem sua Viola, quase sempre

conduzida dentro de um saco, amarrada à garupa do seu animal vaqueano. Não

havia pouso em que após o trabalho azafamado do dia, não tocassem antes de

dormir o sono reparador. Quando a zona era infestada por animais ferozes e havia

necessidade de dormir com o fogo aceso noite adentro, o violeiro, no interregno

de lançar achas ao braseiro, plangia sua Viola delenemente.

As Violas mais antigas que temos tido conhecimento são feitas à mão por algum

"curioso". É recente a sua industrialização. As Violas feitas em série

e vendidas a baixo custo são inferiores em som às feitas à mão.

Tiveram, porém, o privilégio de desbancar aquelas sendo hoje raríssimo

encontrar "fazedores de Viola". Embora o violeiro dê preferência à feita

à mão, econômicamente se vê obrigado a comprar a industrializada. E digno de

nota, estas são muito vendidas nas "Mecas" do catolicismo romano no

Estado de São Paulo. Assim pudemos ver em Pirapora do Bom Jesus, Aparecida do

Norte, Bom Jesus de Iguape e Bom Jesus dos Perdôes, onde os romeiros, na sua

maioria gente da roça, aproveitam para cumprir suas promessas e fazer sua

"comprinha". Nessas Mecas ao lado das belíssimas manifiestações de fé ou

histeria coletiva, da sinceridade, da promiscuidade que a falta de

acomodações facilita, da jogatina "inocente", há manifestações riquíssimas

do folclore: o linguajar característico, danças com indumentária garrida,

trajes e costumes diferentes, oferenda de ex-votos que em geral são peças

esculturadas ou pintadas, enfim se põe em contato com um mundo de coisas

que bem merecem um estudo acurado de um sociólogo. Nos quatro lugares

acima mencionados, pudemos em 1946, 47 e 48 constatar a venda de Violas

industrializadas e as raras feitas a mão e ao mesmo tempo confirmar a

diferença que haviamos notado entre a viola do beira-mar e da serra-acima.

A linha divisória seria a Serra do Mar, porquê esse acidente geográfico,

também delimita em parte os costumes, nos dando marcantes diferenças

entre o caiçara do litoral e caipiras do interior. Comprovamos a influência

geográfica nos usos e costumes com o fato de em Xiririca ( hoje Eldorado

Paulista ), Jacupiranga, Miracatu, Sete Barras, Registro e mesmo Iporanga,

que ficam bem distantes do litoral, muitos de seus usos e costumes serem

idênticos aos de Cananéia, Iguape. Há grande identidade na linguagem, nas danças

como o Fandango, Congadas, Folia de Reis e também no uso da Viola ao lado da

rabeca. Mesmo nos implementos das danças, como seja o tamanco para o fandango

rufado, os feitos no litoral são identicos, até na escolha da madeira e

fixação da contra-alça, aos das cidades marginais do Ribeira de Iguape.

É claro que os acidentes geográficos, os meios de comunicação influenciem

os usos e costumes. A facilidade de compra de um instrumento contribui para

que se generalize a sua adoção. Assim é que, antigamente, os moradores

de Cunha, que levavam dois dias para ir até Guaratinguetá, ou Aparecida, e apenas

um para ir até Parati, no litoral fluminense, adotaram a viola do tipo

angrense ou do litoral. É largamente disseminado como é no litoral o uso da

rabeca, até mesmo na dança de Moçambique. Com o estabelecimento da estrada de

rodagem, a ligação diária por meio de ônibus entre Cunha e Guaratinguetá

até os moradores de Taboão, encostados na Serra do Mar, preferem hoje

adquirir suas Violas em Aparecida do Norte. Aliás, fenômeno idêntico pudemos

constatar em São Miguel Arcanjo no sul do estado. Devido ao fato de descerem

anualmente, por ocasião das romarias de 6 de Agosto ao santuário de São Bom

Jesus de Iguape, para o cumprimento de promessas, encontramos alguns traços

da cultura material litorânea entre os caipiras dessa zona. Embora esta zona

no passado estivesse circunjacente às estradas de tropeiros, anotamos a

presença de panelas de barro do Peropava, bairro de Iguape, e até a Viola

do tipo do litoral, feita em Guaxixi, bairro de Cananéia, vendida em Iguape.

 

"Viola de São Gonçalo

Viola de sete corda,

Tocada sete veis,

Sete verso em cada roda".

 

Conhecemos estes tipos de Viola: a paulista, a cuiabana, a do nordeste e a

angrense ou do litoral. Desses tipos conhecidos estudaremos os dois

encontrados com maior frequência no Estado de São Paulo: a paulista e a

angrense ou do litoral. A nossa pesquisa cingiu-se apenas ao Estado de São Paulo.

Quanto ao litoral paulista, tivemos a preocupação de estudar a zona litorânea mui

ligada à nossa, assim sendo, Angra dos Reis e Parati ( Estado do Rio de Janeiro )

foram visitados e observados, por causa de suas constantes ligações com Ubatuba

e no sul até Paranaguá ( Estado do Paraná ) pelas suas relações com

Cananéia, e com romeiros que vem anualmente até Iguape.

Dos outros dois tipos, apenas nos referimos a eles pelo fato de os termos

conhecido em mãos de migrantes do Estado de Goiás ( um baiano que morou lá )

e de um boiadeiro mato-grossense, que nos facilitou um exame detido em

sua Viola Cuiabana. Tipo idêntico que o Prof. Sérgio Buarque de Holanda,

trouxe de Cuiabá, ficamos conhecendo no Museu Paulista. Sua caixa sonora

é escavada na madeira, e a tampa de trás á colada com cola vegetal, tem dez

cordas e mede mais ou menos 80 centímetros.

Em nosso estudo chamaremos de Viola Paulista àquela encontrada no interior

de nosso estádo nos sítios e fazenda estudados, e Viola Angrense, ou melhor

do litoral, àquela encontrada no litoral paulista e cidades do vale do

Ribeira de Iguape. Será melhor chamarmos de Viola do Litoral, porquê em

Novembro de 1947, quando estivemos em Angra dos Reis, constatamos que, com o

falecimento do antigo fabricante das afamadas Violas "Angrenses", não há

mais quem a fabrique naquela cidade sul-fluminense. Ficou no entanto o tipo.

E no sul do estado, em Cananéia no bairro de Guaxixi, encontramos um

fabricante, cujas Violas são absolutamente do tipo angrense, já nosso conhecido.

Os dois tipos de Viola ( paulista e do litoral ), que pertenciam à nossa

coleção de instrumentos de música, hoje figuram na seção de folclore organizada

no Museu Paulista pelo etnólogo Prof. Hebert Baldus.

Vamos tentar descrever esses dois tipos de Viola. Nessa descrição ressaltaremos

as diferenças marcantes entre elas, como sejam: construção, dimensões,

número de cordas, cordas usadas ( material destas ).

 

Viola Paulista

 

A Viola é um cordofônio, em que as cordas comunicam sua vibração ao ar. É feita

de madeira, compõe-se de uma caixa sonora e uma haste que é popularmente

chamada de braço.

Chamaremos de Viola Paulista Áquela cuja espessura da caixa de ressonância

não excede de 7 centímetros, e que tem 10 cordas, ou melhor 5 cordas duplas,

elementos característicos encontrados nos municípios estudados.

 

 

Os informes sobre a construção da Viola, nome das peças, madeiras empregadas e

afinações, foram dadas por Brasiliano Brandão Zico. O informante é caboclo,

natural de Tatuí, tem 37 anos de idade, sua profissão é fabricante de Viola e

consertador de máquinas de costura. Dentre os 818 violeiros entrevistados

com suas Violas, desde 1943, até à presente data, este fabricante de tais

cordofônios é o que maior número de afinações conhece, sendo um ótimo

violeiro. Seu pai que era fabricante de Violas, um dos mais afamados violeiros

e cururueiros do sul do estado, conhecia cerca de 25 afinações. Seu filho

não apenas herdou a "veia artistica", mas também é o seu continuador na

fabricação de Violas. Sua fabriqueta nada mais tem do que uma banca de

carpinteiro, as formas para colar os aros e as ferramentas, destacando-se um

bom canivete. Fabrica Violas de encomenda, conserta instrumentos de corda,

e quando tem um bom número delas prontas, faz viagens para Apiaí, Itararé,

Estrada Mayrink-Santos, Botucatu, Avaré, Itapetininga, Sorocaba, Tietê,

vendendo os seus instrumentos. Afirma ser bem recebido em todos os lugares

onde vai, nunca tendo despesas porque as pessoas do sítio fazem questão de

hospedá-lo a fim de que os alegre com suas músicas. Nas suas viagens, Zico

sempre leva a sua viola de 14 cordas cuja caixa de ressonância é feita com

carapaça de tatu, o que provoca admiração dos caipiras. Volta depois de ter

vendido todos os seus instrumentos. No interior do Estado do Paraná, são muito

conhecidas e afamadas as Violas de Tatuí.

As grandes fábricas de instrumentos da Capital Bandeirante também fabricam

Violas, havendo o tipo "standard", bem acabadas e bonitas, estreitas, mas não

gozam da preferência de nosso caipira, embora sejam pequenas e de caixa

estreita. A que serve para as exibições nos palcos e rádio, são do tamanho

de violões, geralmente, de cedro ou jacarandá da Bahia.

A Viola Paulista tem tamanhos diferentes, porém guardando sempre uma espessura

pequena de caixa, em contraste com a do litoral que tem uma caixa muito larga,

igual à largura do violão. Brasiliano Brandão Zico, mostrou-nos as fôrmas dizendo

serem 8 tamanhos.

Os fabricantes de Viola de Santa Isabel, sr. Lourenço Marques, disse só fazer

3 tipos: pequeno, médio e grande, embora saiba que há intermediários entre

esses tamanhos.

Em Piracicaba existiam alguns fabricantes de Violas. Nessa capital do cururu o tipo

de Viola preferido foi o "mochinho". Juca Violeiro fabricou muitas Violas. Os

melhores "mochos" são de sua lavra. José Barbosa, "modinheiro" dos melhores

é um grande fabricante de Violas. Recentemente inventou fazer a caixa sonora

de suas Violas de latão. No "Centro de Folclore de Piracicaba" tivemos

oportunidade de examinar um exemplar. Afina muito bem, porém o som é metálico.

Alguns cururueiros afirmam que é muito alta sua afinação o que os dificulta

e cansa cantar a noite toda com tal instrumento.

 

Tamanhos

 

O tamanho número 1 conhecido por machete ou machetinho, é o menor, 4 cordas

e geralmente usado por crianças. Afirma Zico Brandão que antigamente fazia

muitos "machetinhos", hoje, porém, depois que apareceu o cavaquinho

industrializado, não há mais encomendas.

 

Compramos para nossa coleção um machete no mercado municipal de Paraibuna.

O sr. Guadêncio Lessa fabrica, usando canivete, barbante para enformar e cola

vegetal. Os furos para cravelha são feitos a fogo. A madeira usada é "criuvinha".

 

A Viola de tamanho número 2, pouco maior do que o "machetinho", também não tem

saída, somente quando uma moça quer ser violeira é que a encomenda.

 

As de número 3 e 4 raríssimamente feitas em Tatuí são os "Mochinhos". É muito

procurada em Piracicaba pelos seus cururueiros. Alguns exemplares desses

"mochinhos" figuram na rica coleção de violas do "Centro de Folclore de Piracibaba",

por iniciativa de seu secretário executivo Prof. João Chiarini

 

A de número 5 ou média é a mais procurada, portanto é a mais comum, assim

afirmou o sr. Brandão Zico de Tatuí confirmado por Lourenço Marques de

Santa Izabel.

 

A Viola de tamanho número 6 é bastante procurada pelos violeiros prêtos. Afirma

o sr. Brandão Zico: "Quando vejo um prêto me procurá pra apissui uma Viola, já

nem mostro as pequena, já sei, logo vô dando dêste tamanho".

 

As de número 7 geralmente são para 12 cordas. O entrevistado afirma: "só baiano

é que gosta delas". Para os nossos caipiras, qualquer nortista ou nordestino,

que fale arrastando o "r" é baiano.

 

A de número 8 é a maior de todas, tendo 1 metro de comprimento. Raramente é

fabricada.

 

Sendo a Viola média, de número 5 a mais comum, vamos das as suas dimensões:

 

75 centímetros de comprimento,

caixa de ressonância 35 centímetros,

braço 20 centímetros,

palheta 20 centímetros,

altura da caixa de ressonância 5,5 centímetros próximo ao braço

e 6,5 noutra extremidade,

boca de 5,5 centímetros de diâmetro.

 

Texto retirado do livro Folclore Nacional Volume 2

Danças, Recreação, Música de Alceu Maynard Araújo

Ed. Edições Melhoramentos, 1964

 

Abaixo vídeos de viola paulista

 

 

 

 

 

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